Comecei a escrever este post uns dias antes da guerra ter começado. Depois, nunca mais consegui pegar nele.
Sempre que começo a escrever, sou assaltada por sentimentos muito semelhantes aos que tive quando comecei a publicar os primeiros posts após a pandemia ter estalado : que qualquer coisa que possa aqui dizer e partilhar neste momento me parecer pouco relevante, ligeiramente despropositado e por vezes quase ofensivo face à tragédia humana que temos estado a assistir.
Porque esta guerra tem-me afligido muito. E após as primeiras semanas completamente chocada e obcecada com tudo o que se passava nas notícias, decidi há uns dias parar um pouco e focar-me também noutras coisas (como terminar este post) e outros projetos novos que gostava de concretizar este ano.
Porque para nós (que não estamos por enquanto no centro desta guerra) a vida continua. E por isso é também preciso continuar projetos e ideias, tentar viver com alguma normalidade, e sacudir dos ombros (com algum cuidado) alguns sentimentos de culpa que possam aflorar por querermos (e precisarmos) de o fazer.
Acima de tudo, sinto que é preciso agarrarmo-nos a coisas boas e bonitas que nos dêem esperança e capacidade de pensar em dias melhores e de paz. Em tempos de guerra é preciso preservar a vida.
E por isso, hoje partilho aqui alguns projetos que estive/estou a desenvolver, assim como algumas tendências em decoração me têm inspirado e dois poemas que gosto muito.
Espero que gostem.
Desde o ano passado que comecei a sentir com uma enorme vontade de fazer outras coisas criativas para além da cerâmica. Uma espécie de complemento que me permita explorar outros materiais, técnicas e superfícies para além daqueles que já conheço e que, de certa forma, já domino. E quando em Dezembro escrevi o post sobre começar algo novo em 2022, foi também para mim que o escrevi.
E o que é que me começou a apetecer fazer?
Pintar.
(é que desde que terminei o curso na Faculdade de Belas Artes há mais de 15 anos, que praticamente nunca mais peguei em acrílicos, telas e pincéis).
E andava este desejo a marinar silenciosamente dentro de mim, quando de repente (e de uma forma totalmente inesperada) surgiu uma oportunidade de o fazer.
E isto porque o João Borges de Oliveira ( diretor criativo da Boutique da Cultura ) me convidou a criar (inspirada na estética das minhas peças) um conjunto de telas para a decoração dos quartos da nova Boutique da Cultura Avis, destinados não só a turismo local, como a residências artísticas.
E assim (graças a este pequeno empurrão que a vida me deu) teve início o meu regresso à pintura, que meu deu imenso prazer.
Se acompanharam algumas stories do meu Instagram terão visto certamente algumas destas telas a serem feitas com acrílico, carimbos de batata e folha de ouro, que acho que resultaram bastante bem na estética clean e minimalista que o João criou para estes quartos, cada um dedicado a um sinal de pontuação da língua portuguesa: temos o quarto do Ponto Final, o do Ponto de Exclamação, o de Interrogação e o do Ponto e Vírgula).
Mais telas me esperam e estou ansiosa para voltar a explorar este mundo da pintura com outras técnicas, texturas e tonalidades.
Das várias tendências que tenho acompanhado este ano, esta é sem dúvida uma das minhas preferidas. Seja através de quadros, cadeiras, cómodas, cadeirões, tapetes, candeeiros ou peças decorativas, integrar elementos vintage em espaços contemporâneos resulta numa estética eclética que acho bastante bonita e interessante.
Comecei recentemente a seguir algumas contas de Instagram associadas a este estilo e fico verdadeiramente inspirada com as imagens que vejo, principalmente as da Rue Vintage 74, que tem peças maravilhosas.
Whenever I can use vintage, I will. From a design standpoint, vintage is the protagonist of every room - it has the power to influence the storytelling and direction. Their patina brings a touchable texture and warmth to every space, not to mention a sacred sentimentality - Athena Calderone
O atelier Studio McGee , que conheci recentemente através da série que têm na Netflix (e que, a propósito, recomendo) integra também bastante este estilo nos seus projetos, e vale a pena dar uma espreitadela no seu trabalho para uma boa dose de inspiração e de bom design de interiores.
2 | Formas Curvilíneas e Arqueadas
Principalmente no mobiliário, mas também na arquitetura e na arte, esta é outra das tendências fortes deste ano.
Já bastante presente na decoração e arquitectura desde o ano passado, parece estar aqui para ficar e tornar os espaços mais suaves e fluidos.
Pessoalmente gosto muito, e como diz a designer Sarah Sherman Samuel:
A curved form is subconsciously read as safe, friendly and welcoming. With everyone feeling a bit precious I think those softer shapes and angles will still be a big trend in 2022 in furniture as well as architecture.
3 | Texturas e Materiais Naturais
As texturas continuam também a prevalecer e a ter um papel importante na decoração, visto que ansiamos cada vez mais por tacto e ligação, por antítese ao estilo de vida mais digital a que estamos cada vez mais sujeitos.
E para terminar o post que já vai longo, deixo-vos com dois excertos de dois poemas. Um do Herberto Helder, cujo trabalho conheci recentemente e me apaixonou; outro do indiano Rabindranath Tagore, o primeiro não-europeu a conquistar o Nobel da Literatura em 1913.
If I had to live my life again,I would have made a rule to read some poetry and listen to some music at least onee every week. - Charles Darwin
A PAIXÃO GREGA
por Herberto Helder
Li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
(...)
CÂNTICO DA ESPERANÇA
por Rabindranath Tagore
Não peça eu nunca
para me ver livre de perigos,
mas coragem para enfrentá-los.
Não queira eu
que se apaguem as minhas dores,
mas que saiba dominá-las
no meu coração.
Não procure eu amigos
no campo de batalha da vida,
mas ter forças dentro de mim.
Não deseje eu ansiosamente
ser salvo,
mas ter esperança
para conquistar pacientemente
a minha liberdade.
(...)
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